sexta-feira, 3 de julho de 2009

quinta-feira, 2 de julho de 2009

“VIVER A BEIRA”

A ESFINGE surge apos quatro horas navegando no rio amazonas, na Baía do Marajó e por terra mais cinqüenta minutos do porto de camará ao porto da balsa que fica em Salva-terra. Nesta cidade o branqueamento é mais notório, as misturas do português e do negro estão mais presentes. A cidade de Soure nos observa do outro lado. Entre Soure e Salvaterra passa o rio paracauari, famoso por engolir o navio Presidente Vargas embarcação que fazia linha direta para a capital Belém. Corre caudaloso melando os lábios de ambas cidades e adentra ao centro da ilha. No inverno seu volume cresce deixando a terra submersa. No verão desce dos campos, veloz, desentoca o jiju, o anujá, o mandubé entre outros peixes do mato e traz a fartura para os povos da beira.

Chegamos em Soure. O vento vindo do rio-mar entra na cidade distribuindo-se por entre os túneis das imensas arvores de mangueiras existentes nas ruas do centro. A predominância do negro aqui é maior, ouve-se os tambores soarem de longe, trazido pelo vento o som ecoa em várias línguas, várias nações, e, respeitosamente curvamo-nos diante desse fato em que a pluralidade se singulariza em um só coro, para assim sermos chamados a participar destas universalidades.

Estamos no atelier do Artista escultor Ronaldo Guedes, onde funciona a Associação Tambores do Pacoval. Esta comunidade situa-se na periferia de Soure e se organizou em busca de suprir necessidades comuns. Possuem sede própria, onde funciona uma lojinha de artesanato e ao final da tarde acontece uma roda de tambor em que participam várias gerações.

Em Soure temos um sistema de saneamento básico deficiente, com uma coleta de lixo feita em carroça puxada por búfalo. Este sistema por algum tempo foi suficiente, no entanto com o avanço do turismo a produção de dejetos aumentou. Assim nossa proposta para A.T.P(Associação Tambores do Pacoval) é a produção de instrumentos percussivos a partir da coleta de dejetos espalhados pelo meio ambiente da ilha.

Na primeira aula havia bastante pessoas entre adultos velhos e crianças. Entre estas se destacava uma senhor que não parou se tocar sua viola. Chama-se Regatão. Tudo mais toca com ele, os tambores, as maracás e o xeque-xeque. Vozes de novos e de velhos misturam-se à sombra de varias árvores nativas que chacoalham roçando uma as outras, como que dançando o encantado na natureza. Enquanto isso, o tempo é suprimido, o espaço enquadrado e o som encapsulado nas câmeras de filmar e fotografar no intuito de guardar um pouco deste momento.

Neste clima detalhamos nossa proposta. Como tarefa seguinte: coleta de um objeto sonoro encontrado no meio ambiente. Na outra aula, ninguém apareceu, exceto quatro crianças. Cada uma delas carregava um pedaço de tábua, sobre elas linhas de pesca esticadas, presas em ambas extremidades e suspensa da superfície por um sobressalto de isopor. Arranhavam o suposto instrumento como se este fosse feito da mais sublime matéria. O sonho. E era, e eles acreditam o suficiente na magia, e o atelier é a oficina deste sonho. Entretanto o percurso é perigoso como deve ser toda aventura. Temos que desenvolver nossas inteligências e usá-las para o bem. Serra elétrica, goivas que mais parecem adagas de tão afiadas, martelos que fazem os pregos desaparecer, lixas que acariciam a pele como um esmeril faminto, muitos são os perigos. É preciso ter cuidado. Assim os instrumentos vão surgindo entre olhares atentos e curiosos. Mais tarde apareceriam mais quatro convidados, desta feita houve a coleta de matéria orgânica, neste caso a taboca, planta semelhante ao bambu. Produzimos reco-recos.

A cada instrumento construído uma rodada de musica festeja a conquista de um sonho, constroem brincando, trabalham criando, inventam reinventando. Interagindo coletivamente investigam seu próprio trabalho não para apreender o traço da curva lenta de sua evolução, mas querem reencontrar as diferentes cenas onde desempenham papeis diferentes. Parecem caminhar no ritmo das marés com as fases da lua em uma lógica de mutação que só viemos a compreender com o tempo.

Este fator desmobilizou por varias vezes o programa de ação do projeto exigindo reformulação constante das ações. Experiências estéticas em estado bruto fora do formalismo sempre dificultam a similaridade de conceitos exigindo muito mais da inteligência racional. Estas vivências colocam-nos diante de um revigoramento de processos de ensino e aprendizagem, fundamentais para a formação cultural da personalidade artística em um mundo contemporâneo onde sabemos do valor da representação em vários momentos de decisão em nossas vidas.

KROM.