DIÁRIO DE BORDO
SOURE 15 de maio de 2009 – 19h49min
Fiz fotos de meus manuscritos marajoaras esta manhã, agora eu escuto reggae, depois de um merecido banho, a última coisa prática que me lembro de ter feito foi esperar o padre Edmilsom a quem eu queria comunicar que pretendo filmar a chegada de Santa Rita na casa\de Dona Yolanda Paula, aliás, o nome desta senhora é Yolanda Paula e não Ana Paula como eu havia pensado e já escrito aqui, soube disso pela Valquíria, que é secretaria da Prelazia e que está a digitalizar o livro tombo da Igreja, ela se comprometeu em dar meu recado ao padre, cheguei a casa, finalmente, a vizinha do lado me ofereceu alguns doces e salgados e um pouco de refrigerante, pelo aniversário de sua sobrinha, de seguida a mãe da menina também veio me chamar para tomar uma cerveja, aleguei meu cansaço e disse que estava apenas chegando a casa, ela entendeu, gentil que é, como de costume o são todos os marajoaras, a princípio desconfiados, arredios, mas, depois, dóceis, amigos, como o são os meus alunos da oficina, aliás, esta tarde foi tão aproveitável que já começo a pensar que temos aqui grandes chance de fazer brotar arte no seu estado de pureza, havia pedido aos meninos e meninas que fizessem o story line do que haviam me respondido na entrevista, todos que compareceram á aula fizeram o exercício, alguns mesmo com força expressiva no texto e na capacidade de síntese, eu aproveitei cada momento para analisar o que escreveram bem como para dar toques literários e cinematográficos, detalhando com argumentos algumas possibilidades de articulação de suas storys com o que haviam narrado, diferenciando e buscando unidades entre o que me eles me narraram e o que eles me escreveram, mostrei os aspectos ilusórios de ambas as formas, a oral e a gráfica, disse-lhe que podemos iludir as pessoas pelo nosso modo de falar, pelo nosso tom de voz, pelo nosso jeito de nos expressar com o corpo, as nossas pausas, e que, com a oralidade, tornamo-nos mais próximos uns dos outros, porque nos olhamos nos olhos, corpo a corpo, enquanto que com a palavra escrita, só há mesmo a palavra, a sua força no que ela nos quer transmitir, disse-lhes que o cinema é a arte da síntese (também já lhes disse que o cinema é a arte do tempo, a arte do silêncio, enfim, disse-lhes mesmo que o silêncio é a arte da sabedoria, que ele denota a passagem e a derrocada inexorável do tempo, disse-lhes isso de uma forma simples, de modo a que entendessem, embora, esta tarde eu lhes tenha dito que não iria dizer mais algumas cosias para não lhes confundir e eles uníssonos: diz, e eu disse-lhes sobre as articulações entre o documentário e a ficção apesar de suas aparentes diferenças, é interessante avançar desta forma para jovens que ainda nem se iniciaram nos pantanosos terrenos da metafísica artística, mas a avidez deles pelo conhecimento é impressionante, a cada momento tenho sentido uma dedicação, uma entrega e assim parece-me que estamos a construir um projeto, pelo que estou de fato feliz neste começo de noite de sexta-feira, enquanto escuto reggae...), o cinema, ´, pois, a arte da síntese, o que significa dizer também que é na capacidade de síntese que eles podem revelar o seu talento em traduzir e simplificar uma idéia e saltar desta ao story line, e sem alterar-lhes o texto, sugeria a eles o que deveriam retirar, para somar, o muito com o pouco, pouco a pouco, os meninos demonstravam a sua percepção, fiz um intervalo e dei-lhes a câmera fotográfica, eles começaram então a brincar e já no intervalo mostrava-lhes os enquadramentos, falava-lhes sobre planos e escalas de planos e também sobre as massas e os objetos no contexto captado/revelado pela imagem obtida, quando retornamos, mostrei-lhes fotos de um cinematógrafo, falei-lhes sobre os irmãos Lumiere, e mostrei também fotos dos primeiros filmes da história do cinema, de seguida, eu projetei o filme do Darcel Andrade (o mesmo que eu projetei na aula pública inaugural: É PROIBIDO NÃO TOCAS N’OS SABAERS DO MARAJÓ), fechando a aula com a sugestão de que escolhessem uma pessoa da comunidade a qual deveriam fazer a mesma pergunta que me responderam, mas pedi-lhes que fizessem produção – porque, logo no início da aula desta tarde eu lhes convoquei a que filmássemos a festa da COBRA e falei sobre produção, que cinema e arte de uma forma geral é produção, ou seja, pedi aos alunos que quando viessem indicar a pessoa da comunidade, que eles me dissessem o que faz esta pessoa, qual a dimensão de seu trabalho e o seu poder de inserção e de significação comunitária, disse-lhes que me indicassem onde é que desejavam entrevistar esta pessoa, se em espaço interno ou externo, de forma a que na próxima aula eles defendam a pessoa que estão a indicar porque não entrevistaremos todos, entretanto, eu também pretendo forçar uma disputa entre os alunos que tenham poder de articulação, liderança e oratória, deixe-os livres para que pactuassem, que se juntassem espontaneamente em grupos, se assim o desejassem...
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Francisco Weyl
Carpinteiro de Poesia e de Cinema
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