quarta-feira, 20 de maio de 2009

Diário de Blog - SOURE, terça, 20 de maio de 2009, 7h45min

Diário de BORDO
SOURE, terça, 20 de maio de 2009, 7h45min
Por que é que eu não vejo do jeito que as pessoas daqui vêem as coisas?
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Um dos meus mais contundentes (e repetidos) discursos é que os povos amazônidas não têm tudo condições de manifestar o seu inalienável direito de conduzir os processos, quaisquer que sejam eles, ao seu próprio modo.
Estas condições têm lhe sido retirada conforme um histórico e secular processo de colonização e neocolonização, cujos pressupostos são caracterizados por um silêncio e ignorância deliberados, com relação a todos os níveis da produção amazônida.
O fenômeno é facilmente identificado na miscelânea de políticas nacionais, todas anscidas no centro-sul-sudoeste, pelas idéias e mãos de tecnocratas que praticamente desrespeitam as diferenças políticas, sociais, econômicas, geográficas e culturais deste país conteinente, cuja sociedade não pode se adequar mas vem forçosamente se adequando aos padrões preconizados por organizações e empresas internacionais e mesmo às de capital privado cuja dimensão já atravessou há muito os limites brasileiros.
São estes os interesses que destroem os patrimônios culturais dos povos tradicionais e das comunidades amazônidas, disseminando nestas uma dependência ao envio de recursos a maioria dos quais manipulados por instituições cujos gestores tem interesse nefasto.
Assim sendo, o que quer que seja que produzam ou que façam os amazônidas fica subordinado a uma conceituação, interpretação e divulgação, institucional e mediática que se vai reproduzindo em escala local, já que também são executadas por alguns cidadãos amazônidas, sem nenhum horizonte no qual possam afirmar as suas diferenças e com o devido estímulo ou omissão das instituições e mídias existentes nas suas comunidades.
E este paradoxo, eu identifico claramente aqui em Soure, onde estou a morar em conseqüência do fato de ter conquistado o Prêmio Interações Estéticas em Pontos de Cultura, da Fundação Nacional de Artes/Ministério da Cultura.
É a complexidade deste fenômeno de natureza política e social – e de dimensões antropológicas – que me leva a fazer a indagação-título deste texto que ouso desenvolver com o único objetivo de aprofundar as minhas reflexões pessoas, a partir desta vivência a qual me dedico na qualidade de artista e com a devida licença poética para questionar e responder as questões filosofais que se vão instalando no universo de minha percepção.
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Ao defender o direito dos amazônidas gerirem a sua vida e a região do jeito que eles desejam, necessariamente, portanto, eu sei que me coloco diante de uma aspecto contraditório, porque é fato que a cultura local está absolutamente impregnada com os valores das culturas – por assim dizer – extrnas, que invadem as casas das pessoas via televisões e rádios, mediante notícias, programas, novelas e publicidades dirigidas ao consumo em larga escala, comum aos grandes centros brasileiros e internacionais.
Este “do jeito que os amazênidas desejam” está contaminado pelas proposições (e porque não dizer lavagens cerebrais) das grandes necessidades de consumo, quer dizer, da fabricação de desejos destas necessidades.
E como jamais poderei arvorar-me o dom de determinar o que de fato é amazônida e o que não o é – pois que está contaminado por interesses outros que não os amazônidas – preciso tanto sucumbir ao processo desta vivência – para assumi-la de forma natural e artística -, quanto necessito distanciar-me da mesma, para que eu possa então interpretá-la de uma forma mais científica.
Este é o equilíbrio necessário mas apenas para observar os fenômenos, jamais para afirmar verdades sobre eles.
Ao defender o direito dos amazônidas conduzirem os processos da forma que eles desejam, eu também terei de estabelecer balizas para dissociar os contrastes, resgatando os valores tradicionais que vem sendo destruídos e que já estão quase soterrados, pois que esquecidos e domesticados, o que fatalmente me colocará em confronto com os novos (e híbridos) signos das atuais manifestações culturais locais, dos modos de ser, dos comportamentos das pessoas, e da forma que a comunidade encaminha o seu próprio cotidiano, ou seja, do jeito que ela deseja.
Serei eu um dês-construtor de desejos? Nesse caso, com quais direitos?
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Os meus processos de trabalho estão localizados na esfera da imagem e do imaginário, amazônidas e marajoaras, a minha pesquisa é imagética (cinematográfica e fotográfica) e o seu resultado será um filme coletivo, nascido das oficinas transdisciplinares (audiovisual, teatro, música) previstas neste Projeto batizado corajosa e carinhosamente de RESISTÑCIA MARAJOARA, no qual eu convoco os participantes a refletirem sobre as manifestações culturais locais, muitas das quais eles próprios são atores, pelo que a ferramenta da imagem se torna um referencial importantíssimo de distanciamento, uma fragmentação de um dado momento, o qual, estagnado (e distanciado) no tempo - em que ela foi obtida/capturada/registrada -, poderá ser melhor observado.
Se eu tenho afirmado o óbvio, ou seja, que as produções científicas, acadêmicas e mesmo as produções artísticas (sobre a Amazônia na sua dimensão continental) são fabricadas de fora para dentro da prórpia Amazônia, fato que, após ampla difusão destas produções, acaba corroborando para que se produza na Região um olhar de fora para dentro, a partir de paradigmas que não são localizados neste espaço geográfico e cultural, nessariamente, eu necessito reunir forças para que este tsunami seja estancado na sua matriz, contribuindo tanto para o esclarecimento desta situação quase limite, denunciando-a, ao mesmo tempo em que colaborando para apoiar na formação (ou na reformatação/re-interpretação) de valores que sejam capazes de estimular a cidadania, a dignidade, além de resgatar e defender as tradições da cultura popular local.
E sempre com a perspectiva de que todos os choques são possíveis e inevitáveis pelo que eles não poderão ser evitados, devendo mesmo ser enfrentados, sejam os choques atuais, entre os valores da cultura local, sejam os que de alguma forma preservaram o que ela tem de mais tradicional, sejam os valores que ignoram os valores da cultura local, pois que a cultura se faz destes processos enriquecedores, dinâmicos, que lhe configuram as complexidades, já que ela não é estanque, monolítica, fazendo-se, refazendo-se no interior destes choques e destas transformações, pelo que eu também, com todas as minha idéias e intenções acabo por me tornar também mais um elemento no interior de todo este processo.
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Estes são os dados, estes são os jogos, estas são as regras, estas são as possibilidades e probabilidades de um jogo quase infinito, que eu jogo com toda a minha finitude.
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©
Francisco Weyl
Carpinteiro de Poesia e de Cinema

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