quarta-feira, 20 de maio de 2009

Diário de Blog - QUINTA, 14 DE MAIO DE 2009 - 17h25min

DIÁRIO DE BORDO
... SOURE, QUINTA, 14 DE MAIO DE 2009 - 17h25min


Nem tudo está perdido mesmo quando a gente pensa que tudo já se perdeu, assim é, assim tem sido, dinâmica - e quase latejante, esta experiência marajoara, esta residência proporcionada por este Projeto, ao qual estou agora mais que mergulhado, por sob as correntes marítimas destas águas sinuosas deste arquipélago, que ainda desconheço, mas cujos mistérios começo aos poucos desvendar.
Dia cansativo este, quando dei por mim eram já 4h30 e eu a falar com a Dona Geralda sobre a possibilidade de articular um Cineclube na EDDA, aliás, ela é a terceira pessoa desta escola com a qual falo sobre isso, tendo sido o professor Lúcio o primeiro e a coordenadora pedagógica do turno da manhã a segunda, e sempre com a intenção de falar com o diretor que ainda não conheço, mas, pelo que me disseram, uma pessoa interessada e dinâmica.
Como tenho insistido em descrever neste diário, eu sou uma faz tudo nesta Residência que se torna desta forma uma verdadeira resistência – senão marajoara, ao menos pessoal, portanto, se há qualquer coisa para ser feita, quem a faz sou eu, ou seja, para além do Projeto em sua dimensão global e para além da oficina de audiovisual que eu coordeno e cujas aulas eu tenho que preparar todos os dias, observado, claro, a rica complexidade de todo este processo de demonstração de interesse, comparecimento e dispersão de jovens e adultos, eu ainda tenho necessariamente que dar conta das coisas corriqueiras e que muitas vezes escapam á história, que também é composta destas pequenas coisas não narradas oficialmente, mas cujo valor é inestimável para o próprio ciclo de composição de qualquer História, aliás, eu penso mesmo que determinadas pequenas coisas não são narradas por que quem as faz são pessoas sem instrução acadêmica e sem articulação com as estruturas de poder, pelo que desaparecem os seus feitos neste fenômeno da oficialidade.
Pequenas coisas, por exemplo, limpar a casa, pagar as contas, tratar destes assuntos, mas quando pensamos no Marajó, estes assuntos tomam uma dimensão muito maior, porque aqui as coisas tem a sua própria particularidade, vide, por exemplo, colocar uma carta no Correio e passar cerca de 40 minutos da fila de espera porque a única agência de correios, com um único caixa aqui em Soure, também serve para operações bancárias, então, quem quiser agência como correios, que se dane, idem para a casa lotérica, que faz vários tipos de operações, pagamentos de pensões, benefícios, etc. já que aqui não existem tantas agências bancárias, e além do mais eu ainda tive que fazer uma espécie de peregrinação, ontem, na Celpa e na Cosanpa, para ajustar as contas atrasadas de luz e água desta casa em que moramos, são tantas pequenas coisas que elas acabam mesmo por se tornar imensas, entretanto, elas não prejudicam o processo pedagógico ao qual estou dedicado, ao contrário, esta imersão cotidiana faz com que eu me sinta literalmente em casa e passe aos poucos a gostar ainda mais deste lugar, faz com que eu chegue mesmo a pensar que eu quero morar aqui, motivo pelo qual tenho tratado de minha transferência profissional da Fapespa para reforçar a comunicação e cultura de Soure.
Hoje eu fiz uma super-peregrinação no Conselho Tutelar, no Conselho dos Direitos do Adolescente e da Criança, na Delegacia de Polícia, e amanhã irei ao Fórum, no Ministério Público e no Juizado da Infância e ainda na Polícia Militar apresentar o Projeto e mostrar quais são os meus objetivos, de forma a evitar transtornos e constrangimentos como os da terça-feira, dia 12, quando alguns populares se assustaram com o fato de eu estar a fazer fotografias públicas de adolescentes e crianças que me pediam que os fotografasse publicamente quando eu sai das sessões de foto que eu fiz na romaria de Santa Rita, e fiz esta super-peregrinação sob o aconselhamento do Vigário local a quem eu procurei em busca de uma orientação, afinal, eu quero mais é me dedicar ao PROJETO em si e não a estas pequenas coisas que acabam elas também por se tornar grandes coisas já que tomam meu tempo e minha mente.
...
Um dia, portanto, sempre vem mesmo seguido ao outro, e no Marajó, o dia vem quase sempre com a chuva, e hoje não foi nada diferente, mas tive que sair de casa na mesma, e me pus a esperar meus alunos da manhã, á frente do Centro Espírita, mas nem Jeferson, nem Jéssica, com que inclusive eu havia falado na noite anterior, entretanto, apareceu-me uma nova aluna, a Andrea, e de seguida vieram Fernanda e Cristina, mais uma nova aluna, trouxe-as até a casa do Projeto e avisei que terça-feira é dia D, quem vem-vem, quem não vem-nunca mais virá, já que não poderei trabalhar desta forma, descontínua, mas, tanto Andrea quanto Fernanda e mesmo Cristina já chegam com uma carga de experiência e maturidade – e eu ainda alimento a esperança de não perder nem Jessica e nem Jeferson, do grupo da manhã, que se mostra mais sólido, em função destas experiências de terem participado de cursos de vídeo, o que torna a aula em um nível avançado.
...
A aula desta manhã foi interessante, portanto, e eu praticamente repeti os percursos da aula da tarde de ontem, em síntese, projetei as entrevistas que eu realizei com cada um dos participantes das oficinas e nas quais eu perguntei: se você fosse realizador de cinema, qual filme você realizaria em Soure... de seguida, eu falei um pouco sobre o ROTEIRO CINEMATOGRÁFICO, os seus componentes fundamentais, as suas etapas, com base no livro do Doc Comparato, que sempre uso nestas oficinas e nas aulas de cinema que ministro em quaisquer que sejam os níveis dos alunos, e pedi a eles que refletissem sobre o que disseram, de forma a me trazerem na próxima aula um Story Line de suas propostas, portanto, na próxima aula todos vão ler as suas Story uns aos outros e de seguida comentaremos estas sínteses de forma a dar-lhes um tratamento adequado, e de seguida eu deverei projetar um filme no qual eu dialogo com a galera do Grupo Puraquê sobre cinema em Santarém...se ainda tiver tempo, devo mostrar-lhes alguns pequenos projetos, já preparando os novos exercícios operacionais, quando lhes darei toques de manuseio de handcam, junto com pequenas aulas teóricas sobre as funções, as estilísticas e as dramaturgias cinematográficas...
...
Quando eu mostrei as entrevistas aos meus alunos, eu fiz uma espécie de um mapa temática, no qual identifico as intenções temáticas de cada um deles, dividindo também por gênero, se documental ou ficcional, para que eles definam alguns pontos de conexão entre o que cada um deles deseja realizar...
...
Porque a História que eu pretendo fazer com que estes meninos e estas meninas me revelem não é uma História como NARRATIVA, e sim como INTERPRETAÇÃO, portanto, não se trata de um FALAR como um resultado de um processo, mas como construção e processos de processos, ou seja, o FALAR como um processo em si, já que o resultado poderá vir a servir como parâmetro, paradigma, a partir do qual pode-se inferir e referenciar novos processos, que haverão de atingir resultados sem que estes resultados, entretanto, sejam interruptores dos processos, pois que é o processo o espaço de crescimento e de afirmação das criatividades...
...
O FALAR se faz na experiência de sua construção, ou seja, para além das falas dos meninos e das meninas que participam deste Projeto, na manifestação dos seus desejos temáticos – e no resgate das tradições orais das culturas populares marajoaras - em contrastes com os desejos temáticos das comunidades...
...
Tenho interesse, já o disse, de trabalhar com duas linhas, uma documental e outra ficcional, embora meu interesse seja mesmo fazer um documentário, pelo que deverei avançar com os processos de construção de um roteiro ficcional e na realização de um filme de caráter documental...
...
Nesse sentido, trabalho com META-PROCESSOS, META-LINGUAGENS e META-FILMES, que são as três fontes e as três partes constitutivas da METAFÍSICA DO CINEMA POBRE.
...
Ao filmar um a um dos participantes – na sua NARRATIVA pessoal, gestada partir das suas experiências e vivências individuais – sobre um suposto filme – 1 FILME COLETIVO, crio pistas para a nucleação de MINI-PROJETOS AUDIOVISUAIS, ou seja, portas abertas para que realizemos 1 ou + FILMES, de forma a que, até o final do Projeto, em Setembro, para além de um filme coletivo, tenhamos um número razoável de projetos audiovisuais, caracterizados por roteiros, entrevistas e documentários, além de registros fotográficos, blogs, etc...
...ESTAMOS APENAS COMEÇANDO...
...
Hoje quando eu estava na loja que faz fotocópias, por volta das duas da tarde, perguntei as pessoas que estavam lá se elas sabiam onde fica a casa da qual sai a tradicional cobra da FESTA DA COBRA, que se realiza aqui no Município, e uma pessoa de nome AILTON interessou-se não apenas em me responder como também em indagar sobre o Projeto, o Ailton é presidente da Associação de Moradores do Pacoval, da qual também participa o artesão RONALDO, sobre o qual eu já falei, mas que ainda não conheço, embora Rômulo, Isabela e André tenham entrado em contato com ele, e eu e o Ailtom pactuamos um noivo encontro onde possamos estabelecer as bases da Oficina de sensibilização e confecção de instrumentos musicais, a terceira deste projeto, que será realizada logo a seguir a se teatro (objetos, personagens e adereços), ambas articuladas a esta primeira oficina, portanto, foi um saudável e proveitoso pré-encontro...
...
E ontem quando eu fui à Igreja me aconselhar com o Padre e pedir a ele uma orientação sobre como proceder diante da reação da comunidade do Bairro Novo, que não entendeu o fato de eu estar a fazer fotos na rua, com a devida algazarra da molecada, que me pedia para que eu os fotografasse, eu também dialoguei com a secretária da Prelazia que me indicou uma Senhora que é viúve do projecionista que atuava no Cine-Teatro de Santo Agostinho e que me pode traduzir alguma memória daquelas antigas sessões e que são de fato a história do cinema de Soure...
...
Há tanta coisa que fazer, tanta pequena coisa, tudo grande coisa...
...
É fascinante encontrar toda esta riqueza, este delinear quase aleatório que se localiza em cada pedaço desta terra...
...
7Daqui a pouco eu vou ao ensaio do Grupo Cruzeirinho, a convite de Andréia que é voluntária e que está a fazer uma produção independente, um documentário sobre este grupo, projeto este que eu me comprometi em apoiar e colaborar...
São18h25min e quando retornar do ensaio ainda tenho que digitalizar o que eu escrevi na noite de ontem...
Amanhã de manhã farei fotos do meu caderno de anotações...
...
©
Francisco Weyl
Carpinteiro de Poesia e de Cinema

Nenhum comentário:

Postar um comentário