domingo, 10 de maio de 2009

Diário de Blog: 7 de maio de 2009

DIÁRIO DE BORDO
... SOURE, QUINTA, 7 DE MAIO DE 2009
©Francisco Weyl
"Como de costume – ainda na tentativa de construir uma rotina e dessa forma equilibrar as dinâmicas e complexas atividades que constituem este Projeto, mais exatamente este ir e vir, de casa, na periferia para o centro, algumas vezes á pé, outras de bicicleta e muitas vezes de motocicleta, já que transporte equipamentos e não tenho assistentes para que estes encaminhem esta tarefa braçal – sento-me para escrever, fazer a anamnesis do dia anterior, recuperar de forma mais ordenada alguns episódios e acontecimentos que não podem se dissipar com o tempo, olho à janela logo de manhã bem cedinho após acordar, olho as pessoas no seu ir e vir, para a compra e venda do pão, para a escola, párea a feira, a terceira rua tem a sua animação matinal, já começo a reconhecer alguns rostos, de mulheres, de homens, mas quase a totalidade deles não me conhece, ainda sou estrangeiro, quiçá, tal qual Dioniso...
É pois o projeto que se adéqua à realidade e não esta que se adéqua ao Projeto, já sabíamos disso desde quando começamos a desenhá-lo, tínhamos a clara certeza de que as nossas reflexões e experiências metodológicas, as nossas pedagogias seriam postas à prova, seriam mais uma vez forjadas no cotidiano dos atores que praticam este ato que é o conhecimento, esta via de mão dupla, na qual todos são competentes para aprender e ensinar, uns aos out5ros, com o mais completo aproveitamento das experiências e o absoluto respeito ás diferenças individuais.
É este o motivo que me faz optar por articular coletivos, por reunir pessoas de diferentes concepções de vida, diferentes sexos e orientações sexuais, diferentes idades, diferentes desejos, em um ambicioso projeto que se pretende coletivo, porque eu sou feito exatamente destas tensões.
Tal qual a arte necessita de conflitos, assim os coletivos necessitam das diferenças individuais de cada uma das pessoas que o compõem, de forma a processar uma relação na qual cada um colabora com o que pode, dentro dos seus limites para além de suas próprias capacidades. E todos crescem, cada qual de acordo com a sua própria qualidade.
Este filme que iremos realizar em Soure não tem uma fórmula e nem um roteiro ou uma idéia, apenas um desejo, o de ser realizado. Este filme, nesse sentido, nascerá em um processo para o qual o coletivo que está a ser articulado já está convocado.
O coletivo, então, nasce com esta missão que é fazer um filme no qual todos do coletivo são realizadores.
Depois da aula inaugural de ontem, quando projetei o filme do Darcel Andrade () e do DALI & BUÑUEL, para um público que me pareceu interessado, contabilizo que diretamente eu falei com cerca de 200 pessoas, e, indiretamente, através da publicidade do carro-propaganda que eu contratei para transmitir o convite e a mensagem pelas ruas da cidade, e mais os outros contatos que venho mantendo com diversas pessoas da comunidade e mesmo deste encontro histórico () que ocorreu ontem aqui em Soure, este Projeto, se ele ainda não está no imaginário da comunidade, ao menos ele começa por se consolidar, fato que comprovo quando algumas pessoas com as quais dialogo já revelam que são conhecedoras da realização deste PROJETO, ainda que ela nem saibam muito bem o que este Projeto é.
Ontem eu fiz dezenas de fotografias e também filmei , no auditório Santo Agostinho, onde se realizou este encontro (), são imagens fundamentais para algumas etnografias visuais, um marco no processo articulatório da comunidade marajoara.....
Sou quem transporte, instalo e desinstalo os equipamentos que eu uso e ainda tenho que protegê-los contra qualquer tentativa de furto, então, você imagina a minha atenção, redobrada, aguçada, a perceber qualquer coisa além do que me está á volta sem que entretanto eu me torne paranóico por este motivo.
Então, entre uma e outra foto, entre uma e outra filmagem, eu escrevia, tentava recompor alguns discursos, tomava anotações sobre o que estava a acontecer, ao mesmo tempo em que me dissipava do espaço e produzia algumas reflexões para além de epistemológicas.
Mas, uma coisa me chamou a atenção, um imenso projetor de cinema no cimo do auditório, dentro de uma cabine de projeção, um projetor abandonado (a origem dele eu ainda irei pesquisar a respeito...), com alguns pedaços de película de 35 mm.
Então eu quis saber quem era o protecionista e andei a indagar ali mesmo nos arredores da Igreja sobre isso. E entre uma e outra pessoa das quais eu não conseguia arrancar a resposta eu cheguei até uma senhora de nome Valquíria que trabalha na Prelazia do Marajó e ela me informou que talvez no livro tombo eu pudesse achar esta informação. E logo me interessei pelo livro tombo da Prelazia, onde muitas histórias estão descritas em um portunhol longínquo que a Dona Valquíria está a traduzir para o digital.
Então eu me interessei tanto por este livro quanto por este projetor e pelo protecionista e pelas pessoas que assistiram a estes filmes porque ali penso eu reside a memória do cinema Marajoara e esta memória eu quero resgatar de forma a que sejamos todos responsáveis pelo presente.
(E eu ainda quereria escrever mas agora eu preciso sair pois que vou entrevistar os candidatos á oficina, a idéia é entrevistá-los e na semana seguinte projetar estas imagens para que eles se vejam e discutam sobre as respostas de cada, respostas estas que vão orientar o nosso trabalho, a nossa criação, já que eles vão responder sobre que tipo de filme fariam em Soure se eles fossem diretores de cinema...)
O processo começa a ser desenhado, em esboços, como tem de ser!"

©
Francisco Weyl
Carpinteiro de Poesia e de Cinema

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