quarta-feira, 20 de maio de 2009

Diário de Blog, 22 de maio de 2009 – 22h12min


Diário de BORDO:

SOURE, 22 de maio de 2009 – 22h12min


Não posso dizer que eu tenho tudo o que preciso, mas nada me falta.
...
Se eu fosse estabelecer uma comparação entre o Marajó (mais exatamente Soure, onde estou a residir) e a cidade da Praia, em Cabo Verde (onde eu morei e realizei um projeto semelhante, no caso, cinematográfico – e de articulação de coletivo), eu ousaria dizer que as resistências comunitárias são exatamente da mesma ordem e se localizam no estranhamento ao fato de eu ser um estrangeiro e no desconhecimento dos meus objetivos artísticos e sociais, entretanto, de fato, eu habitei Cabo Verde por três anos e tenciono residir em Soure até meados de Junho, retornando aos finais de semana – até final do ano e com as perspectiva de vir a me transferir para cá, tendo inclusive articulado uma remanejamento profissional da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Pará, Fapespa, para reforçar a comunicação e a cultura aqui no Município, mas, enquanto as cartas são feitas, protocoladas e as decisões melhor analisadas, eu vou tocando a vida com a força que Deus me deu.
...
A grande questão que eu sempre me coloco é que, apesar do caráter nacional e de estar vinculado a uma Instituição Nacional, a Funarte, no âmbito de uma política nacional do Ministério da Cultura e que visa o fortalecimento dos pontos de cultura, este Projeto não tem absolutamente nada de Institucional, o que de alguma forma passa ao largo da onda institucional municipal, sendo também paralelo a comunicação mediática em Soure e mesmo em Belém, cujos editores de cadernos de cultura – por determinação das linhas editorias dos jornais paraenses – simplesmente silenciam com o que vem a ser realizado nas comunidades do interior do Pará, então, por exemplo, em uma rádio local, eles chegaram mesmo a me cobrar dinheiro para eu dar um recado sobre as inscrições, enquanto que algumas pessoas já chegaram a dizer que este Projeto foi pouco divulgado pelas rádios, ao contrário, por exemplo, de uma oficina realizada recentemente aqui através da Secretaria de Comunicação do Governo, que teve apoio absoluto da Prefeitura, portanto, da institucionalidade municipal, e repercussão nas rádios, que são uma referência de comunicação local.
...
Portanto, na contracorrente de uma maré institucional e mediática, sigo o meu percurso, em busca de qualidade, jamais de quantidade, pois que não desejo demasiados alunos nas oficinas, mas sim pessoas interessadas, apaixonadas pela escolha que fizeram, no caso fazer esta e/ou outras oficinas deste Projeto, afinal, sempre digo aos meus alunos que eles não são obrigados a fazer a oficina e se escolheram este Projeto é porque estão interessados, logo, quem faz o que quer por escolha própria, espontânea, necessariamente faz melhor o que faz, pois que faz com paixão, além do mais, também digo isso aos meus alunos, a dimensão deste Projeto não é aleatória, mas Histórica, cada filme que projeto, cada exercício que peço, cada ação que praticamos vislumbramos muito além do horizonte, para além dos campos do Marajó, além da Amazônia, além da América do Sul e mesmo do planeta terra, mas necessariamente enraizado nos conhecimentos populares e tradicionais locais, de forma a que as raízes permitam que todos cresçamos, de forma coletiva.
...
Não sei se ao final deste Projeto teremos um coletivo de cinema, mas é certo que faremos um ou mais filmes, além de miniprojetos como roteiros e curtas documentais.
...
Esta primeira oficina é a baliza das demais que seguirão, as quais necessariamente se articulam com o filme coletivo que estamos construindo, entretanto, como tive cerca de sete dezenas de inscritos, a maioria dos quais sequer comparecendo no primeiro dia dos trabalhos – e tendo recebido cerca de duas dezenas de inscrições nos primeiros dias da minha oficina, além de muitas manifestações de interesse verbal, sem que estas se tivessem constituído em uma participação real, comecei a perceber que teria de me desdobrar pedagogicamente de forma a não deixar desestimuladas as pessoas que permanecem no projeto desde o seu começo, ao mesmo tempo garantindo um acompanhamento das práticas às pessoas que vem somar ao Projeto durante o seu percurso, e ainda tentando resgatar algumas pessoas cujo potencial foi bastante revelador nas entrevistas, mas que desapareceram logo a seguir.
...
É aqui onde mora e morre o arteeducador, porque, ao mesmo tempo em que eu tenho que me entregar de corpo e alma (e estou entregue) a este sonho que eu sempre sonhei e o qual estou realizando, também tenho que ter perspicácia e me distanciar do mesmo, a fim de obter uma ampla visão (autocrítica) deste Projeto, se as suas metodologias e práticas didático-pedagógicas estão sendo reveladoras o suficiente para implodir/explodir novos valores nas consciências de seus participantes.
...
Passamos da oralidade à escrita, mediante composições iniciais cinematográficas, ou seja, do filme-falado (imaginado) a partir de práticas intrínsecas à cultura local marajoara, no caso, a tradição de passagem oral dos conhecimentos (quando solicitei que me respondessem sobre qual filme fariam na comunidade da qual fazem parte se fossem realizadores de cinema) - para o filme descrito, a partir da exercitação construtiva da idéia e do story line (para o caso de ficção; ou síntese, se este filme fosse documental) do que haviam “falado” na entrevista que caracterizou o processo de seleção e o primeiro exercício deste Projeto, prática a partir da qual eu pude melhor observar a sua capacidade de “transfusão signica”, ou seja, dos signos verbais/orais (no quais podem recorrer a vários mecanismos de sedução, entre os quais a modulação da voz, os gestos, as pausas, etc...) e os signos gráficos.
...
Depois de avaliar cada um dos story/síntese e de, neste momento, detalhar observações estéticas e literárias, marco os encontros com introduções de elementos teóricos e históricos da arte cinematográfica, articulando-a às outras artes, como a pintura e a fotografia, apresentando ainda filmes siginificativos deste percurso, como os primeiros filmes de Lumiere, Um cão andaluz, além de documentários com temáticas marajoaras e amazônicas, portanto, revelando tanto a simplicidade quanto a complexidade do fazer fílmico.
...
E apresento os elementos constitutivos do cinema, os seus aspectos técnicos, as funções dos técnicos que o fazem, o papel de cada um destes, a câmera, desde os seus primórdios, a luz e a sua importância à fotografia, isso tudo de uma forma natural, recorrendo à cultura das pessoas que fazem a oficina, citando como exemplo o cotidiano da cidade, as festas, as tradições, etc...
...
Até aqui chegamos e o momento que agora se apresente é o de embate, já que no próximo exercício eu testarei a sua capacidade de articulação e liderança, meus alunos irão indicar uma pessoa da comunidade para que coloquemos a ela a mesma pergunta que eles responderam, assim, tentaremos linkar os seus desejos temáticos com o das comunidade, mas, no âmbito deste exercício, pedi-lhes que me apresentação a proposta de nome com alguma produção (e expliquei-lhes o que é produção, claro), ou seja, ao me indicarem um nome, eles terão que identificar a relação desta pessoas com a comunidade, a dimensão do trabalho que esta pessoa faz na comunidade, referindo ainda onde é que desejam entrevistar esta pessoa, defendendo no grupo este nome, já sabendo que não entrevistaremos todos os indicados, mas apenas alguns deles, pelo que eu passarei ao exercício seguinte, que é a definição de papeis de cada um quando da realização da entrevista, que será devidamente produzida, etc...
...
A sorte esta lançada.
...
Também lancei à sorte a construção de um miniprojeto que vamos realizar coletivamente, a filmagem da festa da Cobra, que acontecerá dia 12 de junho, motivo pelo qual, após esta entrevista com a comunidade, arrancaremos com o processo de pré-produção, realizando uma pesquisa sobre o trajeto da festa, de onde a cobra sai, quais os materiais dos quais a cobra é feita, quem é que leva a cobra e porque, coordenadores da festa, possíveis entrevistados, perguntas, etc... além da própria definição dos papeis de cada um.
...
Por volta do dia 12 de junho talvez esteja por aqui uma equipe da Rede Brasil, que está a produzir um documentário sobre o Prêmio Residências Estéticas, motivo pelo qual tenho sido contatado por Ana Júlia, que suponho ser produtora ou diretora deste doc, o qual, quando veiculado, poderá conferir maior visibilidade ao nosso trabalho.
...
A aula da manhã de hoje foi no Cruzeirnho, isso quer dizer que não usaremos mais o Centro Espírita com este grupo.
...
A Casa de Cultura o Cruzeirinho é uma organização que existe há 22 anos, sob a direção da senhora Amelinha.
...
O trabalho deles é intenso e se realiza em várias frentes, culturais, sociais, religiosas.
...
A casa onde funciona o Cruzeirinho é um prédio secular, que pertenceu a uma antiga Sociedade Operária.
...
Para além do Grupo de Tradições Marajoaras O Cruzeirinho, que já lançou dois DVDs, e que apresenta canto e dança (carimbo, lundu, chula, etc...) em Soure, no Marajó, em Belém, e em outras capitais, brasileiras e fora do país, o Cruzeirinho – que tem este nome exatamente por ficar sediado à frente da praça do cruzeiro (cujo terreno é de propriedade da Igreja) – desenvolve uma série de intervenções nas cerimônias de cariz religioso marajoara, como por exemplo durante o Círio de Nazaré, no Natal, na Folia de Reis e nos festejos de São José, que vinha a ser o padroeiro da antiga Sociedade Operária onde hoje funciona o Cruzeirinho, entretanto, há que ressaltar um aspecto relevante nestas intervenções dos cantores, músicos e dançarinos e dançarinas do cruzeirinho – para além das coreografias e vestimentas – e que se refere exatamente a uma (re)leitura do ritmo tradicional do carimbo, cujas coreografias se adéquam aos mais diversos momentos destas cerimônias religiosas, ou seja, quando do círio, há toda uma coreografia a volta da corda, e, quando do natal, há canções e danças em ritmo do carimbo relativas a esta temática natalina.
...
(Estas preciosas informações, recebi de Andrea Scafi Moraes, que presta serviço voluntário a Casa de Cultura Cruzeirinho, e que veio a se juntar ao Projeto Resistência Marajoara, motivo pelo qual agora estamos com as aulas do grupo da manhã no Cruzeirinho)
...
Sábado haverá uma reunião com os oficineiros Carlo Rômulo, Isabela do Lago e Andre Leite estarão em Soure para explicar como vão e com quem irão trabalhar no mês de Junho.
...
Estão convocados todos os participantes das oficinas e também com pessoas interessadas em aderir ao Projeto, pelo que irei mais uma vez nas rádios, farei cartazes para afixar na UFPa (que funciona aqui no Município) e também na UEPA (em Salvaterra).
...
Vamos ver como será a resposta da comunidade, a adesão a esta reunião, porque,s e vierem mais pessoas do que o esperado, fatalmente, avançarei com uma idéia que mês está a brotar: fazer uma oficina intensiva e de caráter cineclubista aos universitários, em Soure e em Salvaterra.
...
Porque algumas parcerias estão a ser construídas com a academia, as quais não posso revelar agora, mas, se elas vierem mesmo a se confirmar, haverá aqui um casamento perfeito!
...
A chuva no Marajó é um fenômeno tão voraz que apenas estando aqui é que eu começo a entender porque o Padre Giovanni Gallo escreveu “Marajó, a ditadura das águas”.
...
Chove e chove, ou seja, ou você ignora a chuva e vai à luta ou você espera que a chuva passe para fazer o que tem de ser feito, mas, como a chuva só passa de grossa à fina e vice-versa, melhor mesmo é não esperar pela natureza e avançar – com todo respeito – contra ela.
...
Nas horas vagas – e quase nem existem horas vagas, apenas quando chove, tenho me dedicado a aprender a tocar violão, a partir das canções de roda infantis, cujas cifras eu retiro de um livro que eu comprei em um sebo em São Paulo, quando estive por lá também para comprar a câmera e outros equipamentos indispensáveis para este Projeto.
...
Amanhã tratarei de várias coisas para avançar o Projeto, porque na próxima semana eu muito provavelmente ficarei em Belém, também para tratar de assuntos do Projeto, como reunir com o Sabrae e com a Sedect.
...
É isso, são horas, vou salvar os arquivos que postarei no blog também amanhã, além de outros que preciso imprimir, como o cartaz convite para a reunião de sábado, que ainda terei de fazer esta noite.
...


©
Francisco Weyl
Carpinteiro de Poesia e de Cinema

Nenhum comentário:

Postar um comentário