domingo, 10 de maio de 2009

Diário de Blog: 8 de maio de 2009











DIÁRIO DE BORDO
... SOURE, SEXTA, 8 DE MAIO DE 2009 (2)
©Francisco Weyl

"Não fossem estas grandes janelas a me revelar este imenso mundo marajoara, ainda que de forma reduzida, já que é só uma grande janela de frente para a terceira rua, eu não saberia degustar o gosto deste café matinal, calmamente, a ver o movimento de Soure, entretanto, já o disse, à margem de um sistema industrial, levo este Projeto-residência da forma que Deus me ensinou, procuro imergir substancialmente na comunidade, vivendo-a nas suas pequenas cosias, eis, pois a minha filosofia, ou o que eu chamo de o princípio do grão de areia e que se refere exatamente ao reconhecimento do espaço e importância que toda a minha vida tem para o mundo.
Grão de areia, no deserto, algumas vezes também bruma, que dissipa as imagens dos objetos através dos quais se ocultam as coisas naquilo que elas são, em essência. Há que fazer o que se pode fazer, com as armas disponíveis, tenho dito isto aos meus alunos, cada um doa aquilo que tem porque não podemos doar o que não temos, cada um colabora dentro e para além de seus próprios limites e assim aprendemos todos. Articular coletivos requer equilíbrio para suportar as provações das tensões, porque as pessoas são diferente uma das outras, cada cabeça uma sentença, cada vida uma multiplicidade quase infinita de memórias visuais e de desejos que se podem ou não afirmar no interior do coletivo do qual participamos, entretanto, é neste confronto de idéias e modos de ser que podemos crescer, juntos, mas cada um ao seu próprio modo.
A janela me revela uma ínfima parte do município mas através dela eu posso ao menos deduzir hipoteticamente que no Marajó as coisas são mais ou menos parecidas, posso imaginar que na rua ao lado, na 2ª ou na 3ª ou em qualquer outra, rua ou travessa, as ações se processam de forma mais ou menos semelhantes, com as suas pequenas nuances de diferença, e é exatamente esta diferença que pretendo identificar no âmbito deste processo de trabalho que inauguramos.
Não estou a fazer uma avaliação da semana, mas é como se estivesse a fazê-lo. Desde a chegada na semana passada a certeza de uma absoluta insegurança, de um estágio de suspensão no qual não podíamos divisar os acontecimentos que agora, ocorridos e processados, proponho-me a observar com uma ligeira distância antropológica.
Não sabíamos quantos inscritos haviam na oficina e nem sabíamos nada de estrutura nenhuma para os encontros, era, pois o abismo necessário, o dado objetivo para o nascimento da criatividade. Insegurança, sim, mas com profunda sabedoria sobre ela, tirando, portanto, proveito dela.
Não definimos horários por um princípio metodológico, queríamos perceber as demandas dos participantes nos encontros de apresentação do Projeto e ali mesmo definir coletivamente e já em um processo de exercício os horários e as turmas das aulas. Assim foi feito na segunda, dia 4 de maio, e na terça, dia 5 de maio. No dia 6 realizamos uma projeção pública, a aula inaugural, da qual participaram algumas pessoas da comunidade, a maioria das convocadas por um carro-som que contratamos para propagandear pelas ruas esta aula inaugural, que consistiu na projeção do filme do Darcel Andrade (É PROIBIDO NÃO TOCAR N´OS SABERES NO MUSEU NO MARAJÓ), seguindo da projeção de UM CÃO ANDALUZ (Buñuel/Dali).
Em todos estes momentos, aceitei receber novas inscrições, apesar de que as inscrições estivessem encerradas. Eu tinha em mãos dezenas de inscritos mas não os conhecia e desconfiava que muitos deles nem apareceriam nestes encontros, do mesmo modo que sei que alguns vão logo abandonar o barco que mal adentra a este rio das incertezas e das complexidades.
Ainda não me sinto em condições de analisar com profundidade as respostas que os meninos e as meninas deram ás entrevistas, o que eu pude perceber é que no geral, por serem jovens e por estarem diante de uma câmera, eles de alguma forma se intimidaram, mas, antes eu tentei relaxá-los, deixá-los tranqüilos, exortando-os para que acreditassem na resistência marajoara e que fossem convincentes pois as suas respostas poderiam convencer ao grupo e até mesmo vir a ser concretizadas enquanto filme, e fiz este chamamento de atenção também em nome das tradições orais marajoaras, uma das formas mais comuns de passagem dos conhecimentos e saberes nesta região.
Há por assim dizer uma tendência para o resgate da coragem do marajoara, dos pescadores e dos trabalhadores rurais, dos aspectos ecológicos das praias e das belezas naturais e ainda a valorização da cultura e dos próprios mitos regionais. Seria natural a manifestação deste desejo, assim como foi natural que alguns alunos revelassem o desejo de fazer um romance. Outros ainda disseram ter vontade de realizar um filme de suspense e de comédia. Entretanto, ao manifestar este desejo com base nos subgêneros, eles não conseguiam discorrer mais nada além disso, como seriam as personagens e que tipo de conflitos existiriam no filme que eles, se fossem realizadores, realizaria. E também eu não pretendia sacar deles mais nada, queria que ficassem a vontade e que falassem o que julgassem conveniente, o que achavam que tinham condições para falar, ou seja, eu não lhes queria colocar mais nenhuma demanda, de forma a não criar pressões sobre eles, que estavam quase todos nervosos.
Isso me dá uma luz sobre os procedimentos metodológicos, porque, na verdade, a captura destas imagens já era em si um exercício, que eu aproveitava para fornecer-lhes pistas das minhas experiências, por exemplo quando eu instalava os equipamentos, as duas câmeras, conectando os cabos ás mesmas, etc., enquanto buscava um cenário considerado tecnicamente favorável á captura destas entrevistas – que poderiam tanto nortear o filme e quanto elas próprias já sem um filme, um filme dentro de um filme, um metafilme no qual a comunidade revela seus desejos temáticos.
Este exercício eu aproveitava para dar dicas, toques sobre enquadramentos, contraluz, áudio, etc., Enquanto fazia às vezes de assistente e de diretor e de coordenador, enquanto falava com o Paulo Alex, do Departamento de Cultura da Prefeitura sobre o alto som do ensaio de dance, que eu não queria cortar, já que não me interesse indispor o meu projeto ás ações que normalmente rolam neste espaço do trapiche, ou seja, enquanto articulava uma série de eventos paralelos necessários á instalação da sala, a arrumação das cadeiras, etc., eu conduzia as coisas de forma a orientar os alunos e senti nos seus olhos alguma relação de confiança e de atenção, penso mesmo que n aqueles momentos eu os estava a fisgar, de alguma forma.
Às entrevistas da tarde compareceram cerca de vinte pessoas e apenas duas na entrevistas da manhã. Se este número configurar as oficinas teriam muito mais gente pela tarde. E ainda terei um grupo na manhã de sábado. 3ª e 5ª, de manhã, no Centro Espírita. 4ª e 6ª, de tarde, na Secretaria de Turismo. E, sábado, de manhã, na Escola Gasparino. As oficinas estão apenas começando e aproveito o start delas para logo convocar os alunos a este exercício, conceder uma entrevista, a qual será vista por todos já na próxima semana, quando então comentaremos as respostas tentando conduzir a construção do coletivo fílmico. Este exercício eu repetirei mas já com os alunos com a câmera na mão, a perguntar para as pessoas da comunidade, para que seus interesses sejam contrastados com os da comunidade, para que, dessa forma, nesse choque, todos cresçamos, e para que eles criem confiança na sua capacidade de operar um equipamento e dessa forma fazer cinema.
Quero trabalhar com dois grupos, um ficcional, outro documental.
...
Aproveitei também estes dias para fazer política, já que Soure sediou um encontro do Programa Territórios da Cidadania com o Plano Marajó, com a presença de vários gestores de prefeituras e de secretarias e ainda de organizações não-governamentais marajoaras, além de líderes do Governo do estado. Foi um momento significativo de difundir o Projeto, fazer a fala do mesmo, propagando-o, tanto à plenária, com microfone em mãos, quanto diretamente a algumas pessoas.
E na medida em que aquele encontro foi que todos estavam a chamar, histórico, aproveitei Tb para fazer registros, além de entrevistas, apenas para não perder a História. E ali no auditório Santo Agostinho eu tive o grande prazer de encontrar um velho projetor, sobre cuja indústria de fabricante ainda estou a pesquisar, do mesmo modo que pesquisa sobre o projecionista e mesmos sobre as particularidades das sessões, quem as assistiu, quem as animava, portanto, estou em busca documental deste que pode ser o marco da história do cinema em Soure".


©
Francisco Weyl
Carpinteiro de Poesia e de Cinema

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